Quem vai punir todos os generais golpistas?

1º de abril: os 60 anos do golpe, os generais e a negativa de Lula. Artigos publicados em O Trabalho nº 929 de 12 de março de 2024.

Índice

▪️ Manifestar no 1º de Abril é um dever democrático
▪️ O lado certo da História
▪️ Manifestações vão marcar os 60 anos do golpe
▪️ A Tutela Militar

Manifestar no 1º de Abril é um dever democrático

Há 30 dias o Alto Comando do Exército faz cara de paisagem pois aposta na operação do seu salvamento na cúpula do Estado – STF, Congresso e claramente o Ministro da Defesa, Múcio – para separá-lo de Bolsonaro e, quem sabe, de algum general mais torrado. Ou seja, entregar anéis para preservar os dedos (a instituição).

Já examinamos aqui as denúncias da PF contra os generais quatro estrelas na reserva: Augusto Heleno, o carniceiro do Haiti; Braga Netto, conspirador candidato a vice; Estevam Theófilo, das Forças Especiais; e Paulo Sérgio, furioso ex-ministro da Defesa. São citados ainda o almirante Garnier, da Marinha, o brigadeiro Baptista, da Aeronáutica, e Arruda, o futuro comandante do Exército demitido por Lula.
O então comandante, Freire Gomes (o “bundão”), esteve nas reuniões da conspiração, mas depôs na PF como testemunha, não como indiciado, para jogar tudo em Bolsonaro, como um “legalista” enrustido!

Torneio da Anistia

Bolsonaro pediu anistia. Mas anistia é para quem está processado ou condenado. Então quem? Os “os pobres coitados” presos na Papuda? Atenção, o torneio anistia X sem anistia pode ser uma armadilha. Contra a anistia, sem desviar do alvo, se trata de punir Bolsonaro e todos os generais da conspiração golpista, com a gradação do devido processo penal.

Punir os golpistas

Certo, mas quem são os golpistas, aqueles que Alexandre de Moraes designar?
Lula, comandante-em-chefe das Forças Armadas, pode exonerar a qualquer momento um general. Mas é o STF quem julga, no caso enquadrou na Lei de Defesa do Estado de Direito (14.197/21), uma lei desnecessária face ao Código Penal, um acordão no governo anterior para não revogar simplesmente a antiga LSN. Esta lei é manipulável por quem tem as rédeas. E o povo não confia no STF.


Ao longo do último governo, se buscou generais “legalistas” para abreviar a desgraça. Como todos eles fizeram bloco até o fim, nunca se achou. Só apareceram depois do fiasco do golpe, com a força da vitória de Lula e a pressão de Biden contra um trumpista no Brasil.

O que é isso companheiro Lula?

Lula foi na RedeTV dizer que “os generais que estão hoje no poder eram crianças naquele tempo. O que eu não posso é não saber tocar a história para frente, ficar remoendo sempre, remoendo sempre”.

Pior, a mídia divulgou – sem desmentido oficial – que Lula orientou a suspender a programação oficial anunciada para o dia 1º de Abril, inclusive a do Ministério dos Direitos Humanos que, com participação popular, já o fizera em 2023.

Erros graves. Não se trata de “remoer”, mas tomar medidas para proteger a República, tudo o que não foi feito desde 64. A questão da instalação da Comissão dos Mortos e Desaparecidos, por exemplo, está aí pendente. Por isso, o porão voltou a agir e está aí.

Afinal, aquelas ex-“crianças” foram formadas e corrompidas nas academias e práticas da hierarquia ao longo de 60 anos. Todo o Alto Comando, por exemplo, era de coleguinhas da turma de Bolsonaro em Agulhas Negras. Todos sabiam de tudo, são todos responsáveis, alguns por omissão e por acoitar terroristas nos acampamentos país afora, de onde saíram as hordas de 8 de janeiro.

Há agora uma oportunidade inédita de começar o serviço de limpeza. Se não for agora, quando?

Para terminar os serviços e libertar a República da tutela militar será necessária uma Constituinte Soberana para refundar as instituições do Estado pela democracia.
E a democracia, palavra na moda, para quem vive do seu trabalho, é o conteúdo social – como os direitos previdenciários e trabalhistas conspurcados nesta constituição, tal como é a soberania popular no artigo 142 da GLO que garante os milicos contra a democracia.

Markus Sokol

O lado certo da História

Nos 60 anos do golpe haverá atos de repúdio disseminadas pelo país. Caminhadas do Silêncio, junto a monumentos, Atos Públicos, Câmaras e Assembleias, debates acadêmicos e populares, e com religiosos. Podem ser os mais numerosos e importantes nesta data desde 1964.

No Brasil, a proclamação da República, em 1889, foi um golpe militar de altos oficiais do Exército e da Marinha que tomaram o poder. Nascia a tutela militar, que oscilou, mas sempre sombreou a soberania popular nas constituições da República, todas curvadas à “espada de Caxias”.

Os generais não eram punidos – exceto alguns sancionados pelos gorilas de 64 – porque, ao contrário, lideranças políticas covardes, liberais, getulistas, stalinistas e de esquerda, ainda viam neles “democratas”, “nacionalistas” ou “legalistas”. A Lei de Anistia de 1979, recepcionada pela Constituinte de 1986-88, foi uma auto-anistia pela qual nenhum militar foi punido pelos crimes da ditadura. Serão agora?

O 8 de janeiro e a revelação da conspiração dos generais quatro estrelas, puseram o Alto Comando na defensiva. Nem haverá a tradicional ordem-do-dia militar de 31 de março saudando a si próprios.

Todavia reina a impunidade. O presidente do Supremo Tribunal Militar, o brigadeiro Joseli Camelo, ainda disse que “(no) 31 de março não haverá nada, mas não temos que ter vergonha”.

Mas apesar da operação de salvamento, ele se engana, pois há uma repulsa crescente aos generais golpistas.

A roda da história, que podia parecer invertida no governo anterior, está girando para o lado certo.

Todos às ruas!

Pela punição de todos os generais da conspiração golpista!

Pelo fim da tutela militar sobre a República!

M.S

Manifestações vão marcar os 60 anos do golpe
Várias manifestações estão sendo preparadas para rememorar os 60 anos do golpe em 31 de março ou em 1° abril. Já há eventos previstos em Salvador, Brasília, Recife, Florianópolis, Porto Alegre e outras cidades.
Em São Paulo, a “Caminhada do Silêncio”, que se concentrará a partir das 16 horas no antigo DOI-CODI, no dia 31, se dirigirá até o Monumento Aos Mortos e Desaparecidos no Parque Ibirapuera.
Do Rio de Janeiro sairá a “Marcha da Democracia”, no dia 1° de abril. A caravana, que se concentrará a partir das 8h da manhã na Cinelândia, irá até Juiz de Fora, fazendo o trajeto reverso das tropas do general Mourão Filho em 1964, que deixou a cidade mineira em direção à capital fluminense.
Antes de chegar a Juiz de Fora a caravana passará por Petrópolis, onde havia a Casa da Morte, um centro de tortura, hoje transformado em museu, e depois pela cidade de Levy Gasparian, onde fará um ato na ponte sobre o rio Paraibuna. A ponte tem um caráter simbólico, Mourão Filho encheu-a de dinamites para o caso de enfrentar alguma resistência das tropas do Rio de Janeiro. A manifestação será encerrada com um ato na Praça Antônio Carlos, em Juiz de Fora, às 16h.
Luã Cupolillo

A Tutela Militar

Não faltam exemplos da tutela militar da República, como no caso do Artigo 177 da Constituição de 1946 e, claro, em particular nos últimos 60 anos, desde 1° de abril de 1964, quando a 5ª Frota dos EUA, conectada com a conspiração dos generais, navegou rumo ao país. A tutela militar, conveniente ao imperialismo, se manteve até os dias atuais.
Confira na linha do tempo, alguns fatos históricos:

1964: Ato Institucional n° 1

Em 9 de abril de 1964, o autodenominado “Comando Supremo da Revolução”, Exército, Marinha e Aeronáutica, após a infame deposição do presidente João Goulart reconhecida pelo STF que recebeu uma ata do Congresso declarando  vago o cargo da presidência, editou o Ato Institucional, que veio a ser o “número 1”. Ele inaugurou o regime militar proclamando a “revolução vitoriosa”, e trouxe procedimentos para cassação dos direitos políticos de opositores. Pouco depois, em outubro, o ditador marechal Castelo Branco editou o AI 2 cancelando as eleições presidências de 1965, e encaminhando as futuras formas de eleição indireta pelo Congresso tutelado.

1968: Ato Institucional n° 5

Publicado em 13 de dezembro de 1968 pelo ditador Costa e Silva, o AI 5 autorizou o fechamento do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, a cassação de parlamentares, o esmagamento das liberdades de organização e manifestação, e a instituição da censura. O ato deu o sinal verde para institucionalizar as perseguições, a tortura e os assassinatos no chamado “porão” do regime militar, assistido por instrutores dos EUA.

1969: Lei de Segurança Nacional

Em vigor no Brasil desde 1935, a Lei de Segurança Nacional (LSN) da época da ditadura varguista, foi alterada quatro vezes – 1967, 1969, 1978 e 1983. A mais importante alteração foi em 1969 quando a Junta Militar posterior à morte de Costa e Silva, estabeleceu que encarregados de inquéritos podiam manter investigados presos por até 30 dias e incomunicáveis por 10, o que, na prática, se estendeu muitas vezes.  
A LSN retomou a prisão perpétua e a pena de morte. Pelo menos 3.607 pessoas foram julgadas pela LSN entre 1969 e 1978.
A revisão da LSN em 1983, vigorou até o acordão da nova Lei 14197 em 2021 (ver artigo acima).

1977: o Pacote de Abril

Publicado em 13 de abril de 1977, um conjunto de leis outorgadas pelo general Ernesto Geisel voltou a fechar o Congresso e alterou regras eleitorais. Surgiram aí os famosos “biônicos” – 1/3 do Senado – indicados pelo presidente, como uma salvaguarda do regime da “transição” no Senado, cujos poderes também foram ampliados (estão ainda hoje).
Foi distribuída na Câmara uma representação mínima que favorecia os estados menores e rurais, em detrimento dos estados mais populosos e urbanizados. O regramento se combinou com a criação de mais dois estados, Mato Grosso do Sul e Rondônia e, mais tarde, outros três em 1988, Acre, Tocantins e Roraima. Com isso, mais a manutenção do critério de 3 senadores por estado, cristalizou-se a maioria oligárquica no Congresso Nacional.

1979: a Lei da Anistia

Promulgada em 28 de agosto de 1979, a Lei 6683 foi sancionada após ampla mobilização social que visava uma anistia ampla, geral e irrestrita, dos condenados, presos políticos e exilados. A lei, no entanto, limitada pelo regime, garantiu uma autoanistia dos “crimes conexos” dos agentes da ditadura. Sustentando a lei, o STF até hoje não permitiu o julgamento de nenhum agente da Ditadura, incluindo o torturador coronel Brilhante Ustra e outros assassinos

1984-1985: Nova República

Apesar da vontade de milhões expressa nas manifestações de rua pelas Diretas Já, o regime militar não cedeu, e seguiu a “abertura democrática, lenta e gradual”, sob seu controle. O regime preservou o que pôde das instituições herdadas (o “entulho autoritário”) e ainda bancou o Colégio Eleitoral – que o PT, corretamente, boicotou – que elegeu o ilegítimo Tancredo Neves (MDB), presidente da “Nova” República.

1986-1988: Constituinte e Artigo 142

O vice Sarney, tão ilegítimo como Tancredo, após a sua morte, outorgou poderes constituintes ao Congresso Nacional a ser eleito em 1986. Não era uma Constituinte Soberana. Ao seu final, em 1988, o PT votou Não à nova Constituição (embora a tenha assinado).
Um argumento para votar Não foi que “o PT não poderia aprovar uma Constituição que reconhece às Forças Armadas o direito e o poder de intervirem na vida política para ‘garantir a lei e a ordem’. Desse modo qualquer gesto de oposição política ao governo ou ao regime pode ser reprimido pelos militares”. Com efeito, a Constituição consagrou essa realidade no famigerado Artigo 142, adotado sob as ameaças do Comandante do Exército, general Leônidas Pires.

1988: repressão e assassinatos na CSN

Pouco mais de um mês depois de promulgada a nova carta, no dia 9 de novembro, os militares protagonizaram uma brutal repressão contra os trabalhadores da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em greve. Um batalhão do Exército solicitado pela direção da fábrica foi autorizado por Sarney e invadiu a fábrica, atirou e matou três operários. 50 trabalhadores ficaram feridos.

1995: ocupação de refinarias contra greve

Em maio de 1995, no começo do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), durante uma greve na Petrobrás organizada pela Federação Única dos Petroleiros (FUP), FHC invocou a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) prevista no Artigo 142, e determinou que tropas do Exército ocupassem 4 refinarias para furar a greve e garantir a produção. O Exército ainda seria usado por FHC para, por exemplo, proteger uma fazenda dos seus filhos em MG.

2010: GLO no Complexo do Alemão

Em novembro de 2010, Lula resolveu empregar a GLO para ocupar o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, sob o argumento de repressão ao tráfico de drogas. Foi um uso inaugural de ocupação numa zona urbana. A operação resultou em mais violência nas favelas do Rio de Janeiro.
Irmanados nas GLOs e também na ocupação do Haiti, oficiais militares foram pouco a pouco montando um esquema que viria a protagonizar a ocupação do Palácio do Planalto no governo Bolsonaro.
Vale notar que desde 1992 a GLO foi acionada 145 vezes, segundo dados oficiais. Entre 2010 e 2021 foram 59 operações a um custo de mais de 2,6 bilhões de reais.

2018: o tuíte do general

Novo capitulo da tutela: no dia 3 de abril, um dia antes do STF julgar um Habeas Corpus que poderia evitar a prisão de Lula candidato em campanha, o Comandante do Exército, general Villas Boas, ameaçou a Suprema Corte: “Asseguro à nação que o Exército brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia”. Era um recado claro que o STF acovardado compreendeu. Lula teve o Habeas Corpus negado e foi preso dias depois, impedido de ser candidato.
O tuíte foi discutido na presença, entre outros, do general Tomás Paiva, atual comandante do Exército nomeado por Lula.

2023: pressão por GLO do golpe

No dia 8 de janeiro, se sabe que o ministro da Defesa, Múcio, a serviço dos militares, sugeriu que o presidente decretasse GLO para reprimir a invasão das sedes dos Três Poderes, em Brasília. Para os golpistas, uma GLO neste dia era parte do plano. Lula recusou, e com isso ajudou a evitar o perigo do golpe.
Infelizmente, no entanto, o presidente voltou a utilizar o expediente da GLO em Portos e Aeroportos, trazendo de volta à ação as Forças Armadas na segurança interna, o que é aberrante numa democracia.

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