Marco temporal, o PL 490 é bem pior do que parece
Contribuição de Misa Boito à preparação do Encontro Nacional do DAP
No último dia sete, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou e em seguida suspendeu o julgamento do marco temporal em função do pedido de vista do ministro André Mendonça. Até este momento são dois votos contrários ao marco temporal, dos ministros Fachin e Moraes e um a favor, do ministro Nunes Marques. O julgamento está previsto para ser retomado em agosto. Em 30 de maio, com o protagonismo da bancada ruralista, a Câmara Federal aprovou o Projeto de Lei 490, que busca oficializar o marco temporal, que estabelece que a demarcação das terras indígenas só pode ser feita em terras ocupadas por indígenas à data de 5 de outubro de 1988, data da promulgação a Constituição, ou seja, nada antes disso é levado em conta. Além da falta de conexão com a própria Constituição de 88 (onde esta exigência não vigora) o PL ignora que há décadas, e mesmo séculos, antes da promulgação da Constituição de 88, os povos indígenas têm sido expulsos de suas terras quer pela ação de ruralistas e garimpeiros, quer pela ação da ditadura militar. Expulsão, violência e assassinatos, é o que é oferecido aos povos indígenas. O julgamento no STF não deriva de qualquer regra constitucional, mas de uma ação do governo de Santa Catarina contra a demarcação de terras dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, no Alto Rio Itajaí, sob a alegação de que estes povos não estavam nas terras em 1988. Até para constranger o STF, os ruralistas se apressaram em aprovar o PL 490. Mas não param aí. Segundo matéria publicada no Valor Econômico (13/6) “o governo tem sofrido pressão da bancada ruralista (…) para analisar com ‘mais cautela’ processos que já estavam prontos para homologação”. “Mais cautela” quer dizer: parem com isso. A demarcação de terras indígenas foi um dos compromissos da campanha do Lula que, já no início do mandato, homologou algumas demarcações. Parte desta ofensiva foi o esvaziamento, pelo Congresso, do Ministério do Povos Indígenas, retirando dele a própria Funai, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas!
PL 490 vai muito além do marco temporal
Por si só o marco temporal é um ataque aos povos indígenas. Mas o PL 490 não para aí. Vai além, e numa direção que ameaça de genocídio os povos originários. Entre outras coisas ele prevê:
- A permissão de contato com indígenas isolados para “intermediar ação estatal de utilidade pública”. Vago e amplo, estabelece que o contato pode ser feito por “entidades particulares, nacionais ou internacionais”, como por exemplo, missões religiosas.
- A proibição de ampliação de terras já demarcadas, para corrigir erros ou abusos do passado oriundos da pressão do poder econômico, o que deve obstruir os processos em andamento, pois terão que se adequar à nova lei.
- A retomada dos territórios indígenas caso ocorra “alteração dos traços culturais da comunidade”, o que permite que um governante julgue que uma comunidade indígena deixou de parecer suficientemente indígena e peça a terra de volta.
- A dispensa de consulta prévia dos indígenas para instalação de bases militares, construção de rodovias, ferrovias e hidrovias e hidrelétricas. Sem consulta e até mesmo sem a concordância dos povos que vivem nessas áreas. Como se vê, neste Congresso prevalece a linha vocalizada por Ricardo Salles – ex-ministro do Meio Ambiente do governo anterior e hoje relator da CPI contra ao MST- de passar a boiada.
Quem promove a guerra?
Não é só os povos indígenas que estão na mira. Os trabalhadores rurais sem-terra são alvos da ofensiva. A CPI contra o MST instalada na Câmara visa intimidar o movimento e acuar o governo. Em declaração dada no último dia 13, o presidente Lula afirmou que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra não vai mais precisar invadir propriedades durante o seu governo e que não será necessário “ter guerra”, porque, segundo ele, seu governo fará a reforma agrária. Que a faça! Afinal é a única forma de dar um basta à guerra promovida pelos latifundiários contra as famílias que querem terra para trabalhar e sobreviver. Reforma agrária e demarcação de terras indígenas, sem ceder a pressões de ruralistas, mineradoras, madeireiros etc., que promovem a violência no campo e na floresta.