Lá vêm os grileiros do orçamento

Extrativistas de dinheiro público não abrem mão de supersalário

Artigo de Conrado Hübner Mendes publicado no site da Folha de São Paulo em 4 julho

Fosse apenas autoritária, autocrática e autárquica, a magistocracia não atiçaria tantas emoções primárias. Se só chancelasse violação de direitos de vulneráveis, reprimisse independência judicial e rejeitasse controle, chamaria menos atenção. Mas quis se dedicar também a extrativismo ilegal do orçamento público, espécie de grilagem. Sua face rentista consegue incomodar até nossa sensibilidade pouco republicana.

Magistocratas não são os únicos grileiros no Estado brasileiro. Parlamentares, partidos e setores empresariais adotam técnicas de grilagem orçamentária. A magistocracia só o faz de modo juridicamente mais rocambolesco. Pratica corrupção institucional com polimento moral. Sem dispensar o acabamento legalista.

A magistocracia tenta exibir abnegação e sofrimento, coragem e competência. Onde vemos corrupção, a magistocracia pede que vejamos virtude e merecimento. Onde vemos cinismo, aponta honra ao mérito. E define o que é “legal” no final. Suas ambições patrimoniais se legalizam num passe de caneta. Não na política democrática, mas a portas fechadas.

O artifício da corrupção institucional tem três truques: 1) multiplicar “auxílios” impropriamente classificados de “indenizatórios” para não só isentar de tributos mas romper o teto; 2) torná-los retroativos a um período inventado (e assim receber no presente o acumulado de um passado juridicamente fabricado); 3) proteger férias de dois meses, além do recesso, para serem vendidas, não usufruídas; criar dias de folga por dias trabalhados, e assim possibilitar vender, não usufruir, dias de folga.

A notícia da semana é que o “PL dos supersalários institucionalizaria R$ 7,1 bi em penduricalhos” e “Judiciário distribuiu ao menos R$ 10,3 bilhões retroativos de janeiro de 2018 a abril de 2025”.

A série “Brasil de Privilégios”, do UOL, resume o último ano:

“Nove em cada 10 juízes no Brasil ganharam mais que os ministros do STF em 2024”; “Penduricalho faz elite do Judiciário ter 35% da renda livre de impostos”; “Juízes já ganham mais em penduricalhos e adicionais do que com o salário”; “Volta de privilégio extinto há duas décadas faz juízes ganharem R$ 1 milhão”. “Vantagens a desembargadores aposentados do TJ-SP sobem 1.488% em 5 anos”; “Os 36 mil supersalários são só uma parte do total”.

É juspornografia com dinheiro público, mas há também com dinheiro privado. O repertório inclui privilégios a parentes advogados, conversão da permissão constitucional para a “docência” em palestras remuneradas e eventos de lobby. E ainda tem a via do assédio judicial: diante da crítica, processam civilmente para obter indenização e criminalmente para ameaçar prisão e gerar silenciamento. Afinal a honra judicial é o bem mais valioso no confuso mercado da liberdade de expressão, gerido por juízes.

A corrupção institucional está radiografada, explicada e divulgada. Não há mais o que apurar sobre a lógica de funcionamento, apenas sobre novas ocorrências. Por dever de ofício, o jornalismo precisa continuar.

Não falta informação, falta ação. A ação precisa entender as razões da inércia e do bloqueio. E iluminar as formas de cumplicidade e intimidação de atores de dentro e de fora do sistema de Justiça. O jornalismo poderia ajudar a nomear os operadores, não estivesse ameaçado de retaliação. E o repórter de demissão.

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