20 de novembro: “a luta está viva!”
Entrevistamos Viridiano Custódio de Brito, militante histórico do Movimento Negro Unificado no DF e membro do Comitê Nacional do Diálogo e Ação Petista (DAP). Filiado ao PT desde o início da década de 1980, participou das mobilizações que ajudaram a inscrever o racismo como crime inafiançável e imprescritível no artigo 5º da Constituição de 88. Na década de 1990, ajudou a organizar as diversas marchas pela adoção da política de cotas nas universidades. Entre 2012 e 2014, no governo Agnelo (PT-DF), foi Secretário da Promoção da Igualdade Racial e, posteriormente, foi eleito Secretário de Combate ao Racismo do PT-DF.
Qual o significado do 20 de novembro para o movimento negro?
A história é contada pelos vencedores. Quando se falava do fim da escravidão a personagem principal era a Princesa Isabel, mas não é verdade. Desde o primeiro negro desembarcado à força no Brasil a resistência em não se submeter foi muito grande e nunca parou. As revoltas foram permanentes, mas sempre esmagadas porque tanto o tráfico negreiro quanto a mão de obra escrava eram a base da riqueza da economia colonial e continuou depois da independência, em 1822. O movimento negro sempre reivindicou uma data para lembrar a resistência contra a escravidão e combater o racismo porque o 13 de maio de 1888, Lei Áurea, não representa a luta dos negros. Foi um ato do capitalismo para abolir um sistema que já estava esgotado e o Brasil foi o último das américas a emancipar os escravos.
O 20 de novembro, dia da covarde execução de Zumbi dos Palmares, é muito importante. É data para comemorar e denunciar os males que a escravidão causou ao Brasil e cujas sequelas permanecem até hoje. Os negros emancipados foram expulsos das fazendas, ficaram sem terra para trabalhar enquanto o governo promovia a imigração para o Brasil de europeus em situação de miséria aos quais era dado trabalho, e muitas vezes terras, excluindo os ex-escravos da posse da terra e do mercado de trabalho livre que se constituía.
Quais as especificidades deste 20 de novembro de 2023?
Vamos denunciar, reivindicar e afirmar que a luta está viva. São várias barreiras que precisamos romper. Educação: a política de cotas é um avanço, mas não suficiente. Ainda é preciso ampliar a presença do negro. Saúde: a população negra é a mais pobre, a que mais depende do serviço público de saúde que precisa ser muito ampliado para atender a todos. Trabalho: os negros ocupam os cargos mais baixos e de menor remuneração, inclusive no serviço público em virtude da escolarização mais baixa. Segurança: hoje no Brasil 70,6% das mortes violentas, especialmente pela polícia, são de negros e jovens. É uma juventude que deveria estar entrando na cadeia produtiva. Precisamos pressionar o estado a elaborar políticas públicas que impeçam esse extermínio. Daí uma pauta muito importante que é a desmilitarização da PM.
Os movimentos estão se unindo para enfrentar essa violência?
Sim, o processo de construção da unidade vem de algum tempo. Desde os protestos pelo assassinato da Marielle, em 2018, depois pelo assassinato do George Floyd nos Estados Unidos, em 2020. Um momento importante foi o ato unitário de 24 de agosto deste ano contra a violência policial. Agora há uma movimentação no sentido de fazer do dia 20 um dia de luta contra o genocídio, pela desmilitarização da PM, para exigir melhor colocação dos negros no mercado de trabalho, em particular no serviço público, e políticas públicas para essa população que ainda hoje é marginalizada.
Para o 20 de novembro o DAP tem alguma iniciativa em relação ao Haiti?
O Haiti foi o primeiro país a fazer uma revolução negra que expulsou os franceses em 1803 mas desde então o imperialismo tem intervindo no país que está hoje mergulhado no caos. Nós do DAP temos feito campanhas para arrecadar recursos para apoiar militantes que estão em muita dificuldade e também contra toda ingerência estrangeira. Para o dia 20 estamos elaborando um documento para pedir a solidariedade e nos contrapor à decisão do Conselho de Segurança da ONU que, em 2 de outubro, decidiu, sem nenhum voto contrário, aprovar uma proposta dos EUA para o envio de forças policiais do Quênia ao Haiti. Como este jornal tem alcance nacional quero reforçar o pedido para a militância chamar a população trabalhadora, negros e brancos, para que saiam às ruas em 20 de novembro e participem da luta contra o genocídio e por melhores condições de vida.