Contribuição do Diálogo e Ação Petista para a DN de 13 de fevereiro de 2023

Por ocasião do 43º aniversário da fundação do Partido dos Trabalhadores, apresentamos esta contribuição à discussão do Diretório Nacional.

Um mês de governo

Os primeiros 30 dias do governo do presidente Lula o levarão para a história. Depois da maior mobilização nacional para a posse de centenas de milhares, uma semana depois veio um ataque golpista de tipo fascista às sedes dos Três Poderes, as quais foram meticulosamente desguarnecidas para permitir a entrada de alguns milhares de vândalos bolsonaristas. Lula corretamente demitiu o comandante do Exército e decretou intervenção na Segurança Pública do DF.  

2000 dos atacantes foram detidos, segundo a imprensa, cerca de 1500 processados, e 925 ainda continuam detidos em Brasília. É conhecida a osmose entre os corpos militares e o bolsonarismo país afora. Há entre os detidos e investigados militares dos corpos auxiliares, da ativa e da reserva da PM, da Civil, e o PF ex-ministro da Justiça. Há oficiais do Exército investigados mas nenhum punido até agora, muito menos um general. A apuração das responsabilidades apenas começou. A Justiça pode empurrar alguns julgamentos por anos.

O fato veio de uma conspiração golpista, mais uma na história brasileira. Entre os conspiradores estavam militares que se consideram tutores da Republica. Mas fatores internos – a extraordinária vitória popular da eleição de Lula contra todos os obstáculos – e fatores externos – Biden não quer um discípulo de Trump no governo – frearam a conspiração de Bolsonaro. Como as coisas realmente se passaram, saberemos mais a frente.

Mas ninguém pode acreditar que o questionamento das urnas eletrônicas, o absurdo 7 de setembro, o bloqueio das estradas, passando por dois meses de acampamentos nos quartéis até este ataque nacionalmente organizado do dia 8, foram obra de militares de patente intermediária, financiados por obscuros fazendeiros e empresários ajudados por pastores.

A opinião democrática, tal como o PT, deve continuar exigindo e acompanhando as investigações e as punições de todos responsáveis – “cadeia para os golpistas!” – uma nova exigência política que se ligou ao conjunto de compromissos de campanha.

A demissão do general Arruda, ex-comandante do Exército, difere das demissões de centenas de civis e militares herdados em cargos de Bolsonaro, pois Arruda fora nomeado pelo próprio Lula no intento da “pacificação” expresso pelo ministro da Defesa, Múcio. O novo comandante, general Tomás, foi o “melhor” que se achou entre os quatro estrelas, mas não nos esqueçamos que foi um oficial que ajudou o general Villas Boas, a quem assessorava em 2018, no famoso tuite de pressão sobre o STF para mandar Lula para a cadeia e tirá-lo da eleição depois vencida por Bolsonaro.

A substituição do comandante pelo novo general Tomás ou outro, por si, não vai resolver o problema estrutural das Forças Armadas. Altos oficiais são selecionados em décadas. No Brasil, foram auto anistiados os crimes dos militares na Ditadura, não houve uma ruptura como em outros países, e a seleção seguiu seu padrão. Tanto é que Augusto Heleno, jovem apoiador de uma conspiração golpista contra o ditador Geisel e sua “abertura”, seguiu na confraria e chegou às quatro estrelas.

Uma reforma institucional das Forças Armadas, começando por anular o artigo 142 da Constituição que lhes atribui a Garantia de Lei e Ordem, é necessária e fundamental para extirpar a tutela militar. Também são essenciais outras reformas estruturais, como a agrária, da mídia, do judiciário, as reestatizações, a taxação dos milionários e a libertação do Orçamento do jugo serviço da dívida. Esse Congresso não fará nem a metade disso.

Nesse sentido, a tentativa de golpe do dia 8 foi um alerta sobre os obstáculos institucionais a serem superados pela via da soberania democrática do povo, para resgatar a reconstrução e a transformação deste país num conjunto de reformas. Em algum momento, a questão da convocação de uma Constituinte Soberana para esse fim se colocará.

Agora, já, a punição dos conspiradores graúdos seria um passo na desbolsonarização do Estado. Se ficarmos nos miúdos, o futuro será mais difícil para os compromissos do governo. Ficaríamos a mercê do Congresso de maioria conservadora, e do Judiciário que já mostrou como pode oscilar ao sabor do humor da elite.

A grande imprensa não para de cobrar de Lula o aperto fiscal, que foi a parte da plataforma que o “mercado” claramente perdeu, mas não se conforma. Nesse sentido, sim, o dia 8 correspondeu a “uma revolta de muita gente rica que não queria perder as eleições” (Lula).

Um deles, o presidente do BC independente legado por Bolsonaro, Roberto Campos Neto, sempre sensível ao “mercado”, demorou 12 dias para condenar o 8 de janeiro. Ele comanda a taxa de juros que leva a um ajuste fiscal recessivo, na contramão da reindustrialização necessária. Mas todo o “mercado” defende a independência do BC desde a sua adoção sob Bolsonaro. Os bolsonaristas quando estiveram no governo fizeram um ajuste brutal para o povo mas generoso para o patronato. De algum modo eles se “comunicam”.

Frente às pressões, o governo Lula deve acelerar a sua pauta popular para criar uma base social de sustentação mais sólida para concretizar os compromissos em face dos obstáculos institucionais que se avizinham.

Questões da hora

No primeiro mês houve vários anúncios e ações positivas, como a recusa aos pedidos de Scholtz e Macron de o Brasil se engajar militarmente com a Ucrânia e Biden, na guerra iniciada por Putin, que agora comemora um ano com consequências mundiais – a hora é de um cessar-fogo imediato.

Na reunião da CELAC, Lula assinou um nota com Alberto Fernandez manifestando a preocupação com a prisão de Castillo, o que, queremos crer, começa a mudar o ângulo sobre a usurpadora Dina Baluarte, repudiada pelos governos progressistas do continente, que há dois meses tenta sufocar em sangue uma profunda revolta popular – há que exigir o fim do massacre.

A iniciativa na Terra Ianomâmi desvelou ao público a combinação mafiosa de garimpo ilegal e a cumplicidade de autoridades (inclusive dentro dos Batalhões de Selva) que está matando essa etnia.

Houve várias medidas para reverter o obscurantismo que vem do golpe do impeachment.

Não faremos aqui um exame extensivo. Mas cabem destaques:

O aumento de 15% do piso salarial dos professores foi uma medida importante, tem agora que ser aplicada. A revisão da legislação por Bolsonaro não anulou a faculdade do governo fixar o índice de correção. Quando prefeitos pretextarem não ter caixa, no limite devem recorrer ao governo federal. Em Fortaleza, a categoria se sentindo respaldada pelo anuncio federal, fez dois dias de greve 25 e 26 de janeiro e obrigou o prefeito a pagar os 15% que não queria. É assim que se faz.

A instalação de um GT para a reestatização da Ceitec (semicondutores) é uma medida muito positiva de resgate da soberania nacional.

A elevação da faixadeisenção do Imposto de Renda (IRPF) para R$ 5.000 foi um compromisso assumido no lançamento da campanha presidencial na porta de Volkswagen. Ela não depende da anterioridade de um ano, porque não é um aumento de impostos mas uma diminuição. E isso já foi feito como admitiu o ministro do Trabalho em entrevista. Sem reajuste da tabela há muitos anos, a medida retiraria milhões de cidadãos de onde não deveriam estar. O presidente Lula falou de priorizar a reforma tributária no 1º semestre, deixando a proposta para o 2º semestre, logo para vigorar em 2024. Há que abrir a discussão a respeito, não é “razoável”.

O salário mínimo é de R$ 1302, as Centrais sindicais pedem R$ 1342 de acordo com a fórmula dos nossos governos, chegou-se a anunciar R$ 1320, há muita expectativa à respeito.

Há o compromisso com o Piso Nacional da Enfermagem. Em dezembro, uma PEC do Congresso destravou fundos públicos para custear os hospitais públicos e redes de atendimento ao SUS. Agora, os enfermeiros cobram a edição de uma medida provisória a respeito.

A reivindicação dos eletricitários de reestatização da Eletrobras é parte do resgate da soberania nacional, tem simpatia popular, é compatível com uma política de tarifas mais baixas e com os direitos dos trabalhadores. Lula disse que “a AGU vai rever esse contrato leonino contra o governo”.

Há um Manifesto pela reestatização que se dirige ao governo, lançado pelo CNE (Coletivo Nacional de Eletricitários, 45 federações e sindicatos) que propomos ao DN divulgar. Não deixa de ser um apoio a ação da AGU.

https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSf2FmZ0Lwx8-xIeyEo6M_UvHf-TeQvZsNUNF37nfrN95O_GLw/viewform

Lula falou no Diretório Nacional que se deveria cobrar o governo. Comecemos pois.

Premonitório – “Sem Anistia!”

No primeiro dia do mês, na posse, Lula leu a sua fala no Parlatório. Falou de “olhar para a frente e esquecer nossas diferenças”. De outro lado, também falou de “reagir a quaisquer ataques de extremistas que queiram destruir a nossa democracia”. A massa presente na cerimônia irrompeu e interrompeu aos gritos de “sem anistia! sem anistia!”, criando uma consigna que viralizou depois.

Considerando o ataque às sedes dos poderes uma semana depois, e toda a tensão com os generais que não “esquecem as diferenças”, deve se reconhecer que o “sem anistia, sem anistia” foi uma intervenção de massas premonitória. E não tem nada de sobrenatural, pois está inscrita na história profunda que a massa popular vive. Essa expressão genuína e autônoma traz um amadurecimento político e deve ser um ponto de apoio para o governo. Numa situação difícil, nos dá razões para otimismo.

A “conspiração” pode entrar em banho-maria, mas o bolsonarismo não está morto. Além da sua própria pregação reacionária, agora, promessas não cumpridas do novo governo seriam um combustível para a agitação dos fascistas. Repetindo, o ataque de 8 de janeiro foi um alerta, a situação não é a da 2003, é mais difícil.

O PT já esteve 13 anos no governo. Coligações e composições nas mesas da Câmara e do Senado, e mesmo nos ministérios, nunca resolveram, por si, pela sua “amplitude”, a sustentação nos momentos cruciais. Os desdobramentos das questões concretas dirá se a base social junto às organizações e movimentos que se mobilizaram pela vitória de Lula e do PT agora, se sentirão motivados a mobilizar muito mais para enfrentar os obstáculos conhecidos. Todos trabalhamos para isso.

Misa Boito, Luiz Eduardo Greenhalgh e Markus Sokol, membros do DN

One thought on “Contribuição do Diálogo e Ação Petista para a DN de 13 de fevereiro de 2023

  • 13 de fevereiro de 2023 em 21:44
    Permalink

    Concordo com os pontos elencados neste manifesto do Dap.

    Só o povo salva o povo!

    Resposta

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