Estados Unidos: imigrantes deportados em massa

Reproduzimos abaixo a íntegra da matéria publicada no Le Monde de 1º de agosto. A matéria traz o relatório da Ong Human Rights Watch que denuncia a situação crítica dos centros de detenção de imigrantes nos EUA, marcados por superlotação, falta de higiene, assistência médica precária e abusos de direitos humanos. A situação tem se agravado devido a política de Trump contra os imigrantes e a intensificação das batidas do ICE.

A polícia de imigração prendeu mais de 100 mil imigrantes sem documentos em seis meses, enquanto os centros de detenção estão superlotados

Sem camas para todos, alimentação insuficiente, higiene deplorável, falta de assistência médica… Com a intensificação das batidas contra imigrantes nos Estados Unidos, as condições se deterioraram nos centros de detenção onde são mantidos os estrangeiros que aguardam deportação. “O governo dos EUA está mantendo presas muitas pessoas que não representam qualquer ameaça à segurança pública em condições que desrespeitam sua dignidade e violam seus direitos humanos fundamentais”, alertou a Ong Human Rights Watch em um relatório publicado em 21 de julho.

De acordo com a organização humanitária, 85 dos 181 centros onde estão alojados os imigrantes em situação irregular detidos pelas agências de imigração do Departamento de Segurança Interna – Immigration and Customs Enforcement (ICE) e Customs and Border Protection – estão superlotados. Em 20 de junho, um recorde de 56 mil pessoas estavam em detenção, um aumento de 40% em relação a junho de 2024. Mais de 70% das pessoas detidas não tinha registro criminal.

A situação é particularmente crítica na Flórida, onde duas mortes, de acordo com a associação, podem estar ligadas à falta de cuidados médicos. No centro Krone, no condado de Miami-Dade, 1.800 pessoas disputam 611 leitos. Não há espaço suficiente para se movimentar, e os detentos relatam humilhações constantes. Em junho, eles formaram um “SOS” humano no pátio, visível de um helicóptero, para chamar a atenção. Inaugurado em 2 de julho, o acampamento batizado de “Alligator Alcatraz”, instalado em uma pista de aeroporto desativada nos Everglades, a 70 quilômetros de Miami, agora abriga cerca de mil detentos em um ambiente normalmente reservado para crocodilos e mosquitos. Os primeiros voos para repatriar os imigrantes começaram em 24 de julho.

Depois de ter o acesso negado ao acampamento por mais de uma semana, um grupo de parlamentares estaduais pôde visitá-lo em 12 de julho. De acordo com o New York Times, os representantes republicanos não encontraram nenhuma falha específica. Seus colegas democratas, por outro lado, ficaram chocados com as condições. Os imigrantes estavam amontoados em gaiolas. “Trinta e dois homens por jaula, com três banheiros”, disse, indignado, o deputado Maxwell Frost. Os representantes democratas não conseguiram falar com os detentos, mas ouviram um homem dizer gritando que era americano e outros cantando “Libertad”!

Na terça-feira, 22 de julho, várias Ongs exigiram o fechamento do acampamento, administrado pelo estado da Flórida, dizendo que as celas estavam inundadas de matéria fecal e que seis imigrantes tiveram que ser hospitalizados. “Submeter seres humanos a essas condições em um calor sufocante favorece a proliferação de germes e doenças”, disse Tessa Petit, co-diretora executiva da Florida Immigrant Coalition. Segundo Tom Homan, o principal arquiteto da política de deportação em massa de Donald Trump, o governo pretende aumentar a capacidade de detenção para 100 mil leitos até o final de 2025. O objetivo é responder ao aumento das operações. Depois de ter se limitado a prender estrangeiros sob um mandado de deportação, a polícia ampliou seu raio de ação com o objetivo de atingir a cota de 3 mil prisões diárias. A partir do final de maio, ela têm como alvo os imigrantes que vivem nos Estados Unidos por décadas.

As Ongs temem que categorias inteiras da população sejam adicionadas aos atuais “clientes” atuais do ICE. No início de setembro, o status de proteção temporária será retirado de 72 mil hondurenhos e 4 mil nicaraguenses que se beneficiaram dele desde 1999. O governo também anunciou a revogação do status de 348 mil venezuelanos e 521 mil haitianos. Após terem sido acolhidos nos Estados Unidos durante anos por motivos humanitários e terem recebido permissões de trabalho, várias centenas de milhares de pessoas se encontrarão em situação ilegal neste outono se não deixarem o território estadunidense.

O governo obteve do Congresso o financiamento que precisava para dobrar a capacidade de detenção: 45 bilhões de dólares foram alocados para a construção e administração de novos centros. A agência de ajuda emergencial FEMA, que deveria intervir em caso de catástrofe, também abriu um programa de subsídios no valor total de 608 milhões de dólares para os estados que concordarem em construir centros de alojamentos temporários. Essa dádiva inesperada irá beneficiar os operadores de prisões privadas que administram 90% das detenções de imigrantes.

Começou uma corrida contra o tempo para encontrar instalações. O Secretário de Defesa, Pete Hegseth, notificou os deputados de Indiana e Nova Jersey que duas bases militares haviam sido requisitadas para abrigar detentos que aguardam deportação. Em 17 de julho, a Ministra da Justiça, Pam Bondi, visitou Alcatraz, a ilha na Baía de São Francisco que Donald Trump, sempre feliz em contrariar os democratas da Califórnia, quer converter em um centro de detenção.

A antiga prisão, que estava fechada desde 1963, foi transformada em um local turístico, gerando 60 milhões de dólares por ano para o Serviço dos Parques Nacionais. Instalar água e eletricidade e torná-la novamente uma prisão custaria mais de 250 milhões de dólares. Nancy Pelosi, deputada de São Francisco, chamou a ideia de “o cúmulo do ridículo”. O governador da Califórnia, Gavin Newsom, ironizou: “Pam Bondi vai reabrir Alcatraz no dia em que Trump permitir que ela publique os arquivos de Epstein. Ou seja, nunca”.

Depois de um início lento, a Casa Branca não está insatisfeita com seu resultado atual. “O ICE deteve mais de 100 mil infratores em situação irregular”, afirmou em uma declaração publicada em 21 de julho, ao final dos primeiros seis meses da administração republicana. Isso incluiu “mais de 2.700 membros da temida gangue Tren de Aragua”, da Venezuela. Sem fornecer números precisos, o comunicado também se refere ao “sucesso retumbante” da política de “autodeportação”, pela qual as autoridades estadunidenses incentivam os imigrantes em situação irregular a deixar os Estados Unidos por conta própria, com a promessa de um hipotético “retorno”.

Em seu relatório, as autoridades enfatizam o perfil dos homens presos. A polícia de imigração publica suas fotos e notas biográficas em seu site: Diego Jahir Pasos-Ruiz, 22 anos, mexicano, condenado por tráfico de metanfetamina em Oklahoma; Sakir Akkan, 22 anos, turco, condenado por estuprar uma adolescente no estado de Nova York; Greg Samuel, 46 anos, da Micronésia, condenado por agressão em Guam.

Capa do jornal mexicano La Jornada de 3 de agosto destaca o repúdio dos estadunidenses contra as políticas de Trump

A esses retratos dos “piores dos piores” se contrapõem aqueles, publicados na imprensa, de pessoas comuns sem antecedentes criminais, presas no campo colhendo legumes ou saindo de um estádio de futebol. Vítimas do zelo policial, como George Retes, 25 anos, cidadão americano e ex-oficial do exército que combateu no Iraque em 2019, preso em 10 de julho durante uma batida policial em uma fazenda de cannabis e tomates no sul da Califórnia, ou Jaime Alanis, 57 anos, que morreu na mesma batida depois de cair de um telhado enquanto tentava escapar da polícia.

A luta contra a imigração ilegal foi uma das questões que levaram Trump ao poder. As últimas pesquisas mostram que as percepções mudaram. De acordo com uma pesquisa publicada em 20 de julho pela CBS NewsYouGov, o apoio às deportações em massa caiu dez pontos desde que o 47º presidente assumiu o cargo, passando de 59% para 49%. Somente os fiéis do MAGA continuam apoiando majoritariamente a política de expulsões em massa.

Outra pesquisa publicada pela CNN-SSRS em 20 de julho mostra que 59% dos entrevistados são contra a deportação de imigrantes sem ficha criminal, contra apenas 23% que são a favor. Depois de aumentar para 55% em 2024, a proporção de americanos que acreditam que a imigração deve ser reduzida no país agora é de 30%, de acordo com o Gallup. O governo não parece estar preocupado com as consequências dos excessos da sua polícia. “Vamos atacar com mais força e rapidez, e vamos neutralizar esses criminosos com vigor reforçado. Donald Trump recebeu um mandato do povo americano para limpar nossas ruas”, insistiu Kristi Noem, a secretária de Segurança Interna, ao anunciar o próximo alvo: Nova York. Alguns dias depois, imagens filmadas por um imigrante, que conseguiu ficar com seu telefone, mostraram a superlotação no local que está sendo usado como centro de detenção: quatro celas no 10º andar da sede do ICE na Baixa Manhattan.

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