Dois pesos, duas medidas
Em julho/agosto de 1982, o governo Menachem Begin lançou um ataque ao Líbano, visando destruir as bases da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), assassinando seus militantes (entrincheirados na região central da cidade e numa rede de túneis subterrâneos – qualquer semelhança…). Nas primeiras semanas de agosto, a força aérea israelense bombardeou por dias e indiscriminadamente a densamente populosa região metropolitana de Beirute. Visava particularmente os bolsões onde se encontravam os acampamentos de Refugiados (de 48) Palestinos. Cerca de 10 mil palestinos já haviam sido mortos entre os escombros (isso tudo ainda um mês antes do massacre de Sabra e Chatila – em que Sharon terceirizou o morticínio da população palestina aos fascistas da Falange Maronita-Cristã – treinando-os, armando-os e até os uniformizando).
Na manhã do dia 12 de agosto, preocupado com a escalada de violência e de eventos decorrentes de tal matança em massa e com as disruptivas e desestabilizadoras consequências que ela traria ao frágil equilíbrio de poder “geopolítico” dos EUA na região, o presidente dos EUA faz uma ligação emergencial a Begin. Reagan exige o imediato cessar-fogo. E, para não deixar dúvidas sobre a ênfase de sua demanda, ele acusa e empareda Begin: “O vosso bombardeio [a Beirute] é [equivalente a] um holocausto!” Desligado o telefone, Reagan fez questão de orientar a assessoria de imprensa (Briefing Room) da Casa Branca para divulgar amplamente o teor dessa conversa telefônica, pedindo destaque à sua analogia ao “holocausto”.
Begin, magoado ou não, entendeu o recado e ordenou seu ministro da Defesa, Ariel Sharon, suspender os ataques. O que, aliás, revela que quem de fato e no limite manda em Israel é o seu principal patrocinador, os EUA. É provável que este, inclusive, deva ter sido um dos motivos pelos quais Sharon e as Forças Armadas (IDF) israelenses tiveram de montar, nas semanas seguintes, uma complexa e arriscada operação via as Falanges Cristãs e outras de suas proxies para disfarçar – na medida do possível – a continuidade da implementação de seus criminosos objetivos militares.
Vale notar que até aquele momento, ainda menos de 10 mil palestinos e libaneses haviam sido mortos pelos bombardeios israelenses (até o final de setembro outros 5 a 10 mil ainda pereceriam). Muito menos, portanto, do que os atuais 30 mil gazanos. E, a despeito disso, ninguém à época considerou a analogia de Reagan (muito mais explícita, direta e assertiva do que a que Lula fez dias atrás) descabida, inapropriada ou ofensiva. Ninguém ousou acusar Reagan de ser antissemita ou de cometer o sacrilégio de “comparar judeus a seus algozes” (como se Begin ou Netanyahu representassem mesmo “os judeus”). Ninguém mesmo: nem a Aipac (lobby pró-Israel nos EUA, que, atenção, não é animado “pelo judaísmo”, muito menos pelo grosso dos 5 milhões de judeus EUA, mas por bilionários – a maioria não-judeus – da indústria bélica, do complexo militar-industrial, do petro-business ou do Sionismo-Cristão), nem a Anti- Difamation League, nem o Yad Vashem, nem o senador Pacheco, nem as Conibs da vida. Ninguém declarou o reacionário presidente dos EUA “persona non grata”, e muito menos exigiu que ele se retratasse.
Dois pesos, duas medidas…
Alberto Handfas
Dados checados no livro de Robert Fisk , Pity the Nation : Lebanon at War.