Capital privado toma de assalto o orçamento público brasileiro.
Alcides Pinto
O caso do CARF e a derrubada dos autos de infração
O golpe de 2016 contra a presidenta Dilma executado por Temer e apoiado por Bolsonaro, teve por objetivo, dentre outros, ampliar as margens de lucro do grande capital privado às custas da captura dos recursos destinados para toda a sociedade. Para além das privatizações da EMBRAER, PETROBRAS e da ELETROBRAS que destroem a economia nacional; da aprovação da Emenda Constitucional que congela por 20 anos os gastos nas áreas sociais; da entrega da direção do BACEN para grandes grupos financeiros a fim de garantir o pagamento integral dos juros exorbitantes; e da aprovação do vergonhoso orçamento secreto no Congresso Nacional – temos, ainda, o caso do Conselho de Administração de Recursos Fiscais – CARF.
Órgão colegiado do Ministério da Economia, com 144 membros titulares, o CARF é formado paritariamente por 72 representantes do Estado (Auditores-fiscais da Receita Federal do Brasil) e por 72 representantes dos contribuintes (67 das confederações empresariais da agricultura, do comércio, das instituições financeiras, da indústria, da saúde e dos transportes; e 5 representantes das centrais sindicais de trabalhadores – CUT, UGT, CTB, FS e CSB). A atribuição do órgão é julgar em segunda instância administrativa, os autos de infração e respectivos recursos em matéria tributária e aduaneira, que geralmente versam sobre sonegação fiscal, planejamentos abusivos, tributação de lucros no exterior, paraísos fiscais etc. Os representantes das centrais sindicais julgam somente os litígios relacionados à receita previdenciária.
Estabelecido nas décadas de 1920 e 1930, e inicialmente denominado Conselho de Contribuintes, o CARF é fruto da influência, no Brasil, dos ideais corporativos da Itália fascista, de integração das organizações de trabalhadores e de empresários ao corpo do Estado – tal como o Ministério do Trabalho da época. Em virtude de sua composição paritária, é comum ocorrerem votações em que há empate entre os representantes da Fazenda e dos grandes contribuintes, principalmente quando são apreciados autos de infração de alto valor. Daí, a previsão legal do voto de desempate, denominado de qualidade, que sempre foi prerrogativa do representante estatal que preside o órgão colegiado e respectivas turmas. Não satisfeitos, os grandes contribuintes quase sempre recorrem ao poder judiciário, protelando ao máximo o recolhimento dos tributos.
Em março/abril de 2020, numa jogada casada entre Bolsonaro e o Congresso Nacional, a MP nº 899/2019 foi convertida na Lei nº 13.988/2020, que inicialmente, tratava apenas de transações de dívidas tributárias. De forma sub-reptícia, foi introduzido um artigo que extinguiu o voto de qualidade do CARF. Assim, em caso de empate, os grandes grupos privados podem derrubar todas as autuações fiscais envolvidas. Não é cabível sequer recurso judicial para administração fiscal.
Os representantes da Fazenda no CARF, o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil e o Instituto de Justiça Fiscal denunciam: 1- na área federal, entre 2011 e 2018, as autuações somaram o equivalente a R$ 1,161 trilhão; desse montante, 80% referem-se a fiscalizações realizadas sobre os grandes contribuintes que, a partir da extinção do voto de qualidade, podem vir a ser derrubados; 2- a Lei nº 13.988/2020 pode acarretar a perda de créditos tributários no valor aproximado de R$ 60 bilhões anuais; 3- está tramitando, em regime urgência na Câmara Federal, o PLP 17/2022, que estende o fim do voto de qualidade para os contenciosos administrativos fiscais dos estados e dos maiores municípios; 4- os valores monetários não recolhidos aos cofres públicos remunerarão, na forma de dividendos, os grandes acionistas.
Esta brutal captura do orçamento e das instituições públicas pelas corporações privadas tem de ser combatida pelas organizações populares e por seus representantes (a começar por Lula, pelos deputados, senadores e governadores eleitos) rumo a uma Constituinte unicameral, livre e soberana para atender as reivindicações do povo trabalhador, passando a limpo as instituições brasileiras e suas respectivas legislações carcomidas pelos assaltos cometidos pelo capital privado.