Notas do Diálogo e Ação Petista para o Diretório Nacional do PT de 8 de dezembro

A NOVA SITUAÇÃO ABERTA

– RUMO À POSSE DIA 1º DE JANEIRO

Os números do resultado eleitoral do 2º turno presidencial são claros: Lula obteve 60 milhões de votos contra 58 milhões de Bolsonaro, sendo que Lula recuperou 13 milhões de votos em relação à Haddad no 2º turno de 2018, mas Bolsonaro ficou nos mesmos 58 milhões. Em 2022, a soma da abstenção, brancos e nulos caiu 4,5 milhões. O PT aumentou 20% o número de parlamentares na Câmara e 28% nas Assembleias Legislativas.

O crescimento mais importante de Lula foi nos grandes urbanos do Sudeste, onde Bolsonaro perdeu milhões de votos. Houve um deslocamento à esquerda dos trabalhadores e setores populares, após quatro anos de resistência à destruição propagada pelo Palácio do Planalto, cuja política econômica, lembremos, foi apoiada pelo “mercado”.

Foi uma vitória difícil, mas indiscutível e extraordinária dos trabalhadores e do povo, num Brasil sofrido. Ela teve enorme repercussão no continente. E também repercutiu num mundo capitalista em crise. Uma crise econômica e social, mas também de representação política.

No país, em muitos setores há alegria e disposição de luta, mas também existem confusões a respeito do que efetivamente se passou. O resultado de 30 de outubro pede uma clarificação que ajude a orientar na situação em que estamos entrando.

Começando pela eleitoreira operação de Estado do ministro Guedes para reeleger Bolsonaro, ela conteve o consumo popular antes, só para criar uma bolha na véspera do pleito, com as “bondades” de ocasião. Não deu certo, apesar de tudo. Deu Lula de novo, com a força do povo!

Mas é inescapável, agora vem a conta financeira da manobra: um tipo de “rombo” fiscal no Orçamento 2023. A tendência é o laço financeiro apertar-se “de repente” sobre o país, com a manobra do “mercado” de chantagem para enquadrar o novo governo.

No detalhe: as “emendas secretas”, o aumento do Auxílio Brasil, o vale-gás, a bolsa-caminhoneiro, o auxílio-taxi, a redução de combustíveis e outros PLs somados, chegaram a somar R$ 100 bilhões.

O Congresso Nacional votou tudo. O STF, o TSE e o TCU legitimaram tudo.

Agora, de onde sairão recursos para cobrir tudo isso? De grandes investimentos externos? Não agora com os juros altos nos EUA. Taxar os ricos, este Congresso não votará, muito menos o próximo, ainda mais reacionário. Este Congresso pode deixar furar o teto fiscal para o Orçamento de 2023 numa PEC, como sinaliza Artur Lira, para fim do Bolsa Família, do aumento real do salário mínimo e alguns poucos programas. Mas como ficarão as demandas reprimidas em mais de 6 anos e os compromissos públicos de campanha de Lula?

A correção do Imposto de Renda, o Piso da Enfermagem, a recomposição do Ibama e do ICMbio, da Funai, das verbas das Universidades e Institutos federais, reajuste dos servidores, MCMV, PAC etc. tudo disso não caberia aí, segundo a imprensa. Se depois do Senado aprovar a PEC, Artur Lira aceitar tirar a Bolsa Família do Teto Fiscal – como está proposto no projeto de “PEC da Transição” -, aí então haveriam alguns bilhões para a Merenda Escolar, a Farmácia popular e mais alguma coisa na Saúde e Educação, sempre segundo declarações na imprensa que vão e vem sobre o que está em negociação, mas, está claro, não haveria para o conjunto. A PEC na verdade é um remendo que não contempla nem mesma as questões emergenciais, cujo atendimento ficaria em aberto para o novo governo solucionar.

A Faria Lima estima essas questões em R$ 400 bilhões. Naturalmente, os farialimers não cogitam mexer em coisas como o Imposto das Grandes Fortunas, a Taxação dos Lucros e Dividendos, as Remessas das Multinacionais ou os Juros monstruosos da Dívida Pública.  

O “mercado” já estava nervoso antes do pleito. Já exigia compromisso fiscal do candidato Lula e a nomeação prévia (!) dos ministros encarregados. Ainda mais agora, o nervosismo está expresso nas oscilações do dólar e da Bolsa. Jornalões, Meirelles e Armínio Fraga anunciaram que “acabou a lua de mel”. Não é assim. Lula saiu “prestigiado” da COP 27 no cenário. O que esse setor da banca nacional está fazendo é chantagem política.

O povo sofrido é mais paciente. Mas depois do que amargou em 6 anos de “estado de exceção”, também não pode esperar muito, se entendermos o que se passou.

O fato central do que se passou é que a força deste povo derrotou obstáculos.

Derrotou a desmoralização do Fora Bolsonaro das ruas, depois que a Oposição tentou canalizá-lo para um impossível impeachment institucional (2021). Derrotou o esquema baseado no Orçamento Secreto (2020/21/22) de cerca de 45 bilhões, derrotou a tentativa de cooptação em massa através da PEC das “benesses” (2022). A força do povo também derrotou a pressão dos militares contra as urnas eletrônicas, o clima de intimidação com incidentes e assassinatos. Derrotou os bilhões gastos com as fake news, como derrotou a manobra do “FGTS Futuro” eleitoreiro votado em agosto e regulamentado em setembro pelas centrais sindicais.

A rádio-peão coesionou a boa parte dos trabalhadores contra a desindexação do salário mínimo e das aposentadorias, e contra a ameaça de cortar as deduções de saúde e educação no IRPF. A força do povo terminou derrotando também os 2.000 patrões formalmente denunciados por assédio eleitoral, como derrotou a notória “compra de votos” dos novos coronéis no interior. O povo ainda derrotou os milhares de padres “conservadores” e pastores reacionários que pregaram ilegalmente no púlpito. Por fim, o povo derrotou a calhordice golpista da Polícia Rodoviária Federal nas estradas do dia 30, quando o próprio Alexandre Moraes passou o pano no diretor da PRF na TV no dia do crime!

Por tudo isso, o resultado eleitoral foi uma extraordinária vitória dos trabalhadores, da juventude, das mulheres, dos negros, dos LGTB, enfim, de todos oprimidos. Nesse sentido, ela vai muito além dos 2 milhões de votos da diferença Lula X Bolsonaro. A contabilidade eleitoral, nesse caso, foi distorcida pelas condições descritas, mas o povo se impôs assim mesmo.

“Apoiadores” de Lula no 2º turno tipo Globo, certos empresários, assim como em certa medida o TSE e o TCU, estavam, em primeiro lugar, muito sintonizados com Biden que não queria um aliado de Trump no Palácio do Planalto. Em segundo lugar, é verdade que preferiam Lula a Bolsonaro, mas isso na exata proporção em que fracassou miseravelmente a “terceira via”. E, por fim, também porque se cuidam da cobrança popular pela sua cumplicidade anterior com o golpe do impeachment e, inclusive, com Bolsonaro e a sua “família”.

A vitória popular com Lula é o fato que impacta, não a amplitude em si das alianças. Ninguém sabe onde foram parar os 5 milhões de votos de Tebet e os 3 milhões de Ciro. É por isso que a vitória teve tanta repercussão internacional. É por isso que ela domina a cena nacional em relação às vitórias relativas da extrema-direita no Congresso, nas Assembleias Legislativas e entre os Governadores.

O júbilo pela vitória popular dia 30 na manifestação políticanunca vistana Av. Paulista, e também nos bairros e em outras cidades, veio carregado das aspirações mais profundas das massas populares por soberania nacional e justiça social, para além das conhecidas reivindicações imediatas.

A vitória revelou como nunca antes o apodrecimento das instituições. Nunca antes houve tal grau da contradição entre uma vitória de Lula do PT nos dois turnos, com a simultânea regressão do Congresso eleito ainda mais reacionário!

Como é possível um presidente ganhar nos dois turnos, mas não ter mais que 125 parlamentares (aliança de centro-esquerda) numa Câmara de 513? Nem somando Tebet (MDB) e Kassab (PSD) passa muito de 200. Ele tem que se entender com o “centrão” de Artur Lira para governar? Além do novo-velho Senado, que é pior ainda. Esta é a realidade da “república” há mais de um século tutelada pelos militares. A democracia da sub-representação desproporcional, do super senado sem sentido, com o voto uninominal e o financiamento privado.

DOIS CAMINHOS

Não se pode desconversar da tarefa de abrir caminho para a soberania popular contra estas instituições podres. Senão, seria acompanhar passivamente uma dita “pacificação”, a nova anistia dos generais, e o acordão com Artur Lira, tal como se filtra das declarações na imprensa. Não é isso que simboliza Alckmin na chefia do “gabinete de transição”?

Mas há um outro caminho a ser buscado, o caminho da soberania democrática da vontade popular.

Conforme aflorem as demandas do movimento de massas na nova situação aberta. Conforme se veja a reação das forças do conservadorismo. Ficarão mais claras para o povão as travas estruturais da república tutelada pelos militares e os obstáculos institucionais à realização pelo governo Lula dos anseios populares que o elegeram.

Sabemos que é a luta política, sem voluntarismo mas com clareza de objetivos, que dará o “tempo” da luta pela Assembleia Constituinte Soberana. Mas ela é necessária para remover os obstáculos que já conhecemos, não em teoria, mas na prática dos 13 anos de governo do PT. Então, a questão da Constituinte passará do plano da propaganda para o da agitação. E teremos a resposta a questão de saber quais forças políticas estão dispostas a se engajar com o povo, e sair do conformismo da “pacificação” impossível com o bolsonarismo.

A pergunta procede. Muita gente reclama que Bolsonaro usou “o dinheiro público”, as “mentiras como método” e protesta contra “a utilização da máquina pública”. Nós concordamos. Mas limitar-se a isso, é um comentário piedoso de quem não quer ver o diabo das instituições podres da dominação. Agora, enquanto aguardam soluções duradouras para a podridão, que não virão do STF, esses piedosos concluem “bola pra frente”. Mas não é tão simples!

“É O CHICOTE DA CONTRARREVOLUÇÃO QUE FAZ A AVANÇAR A REVOLUÇÃO” (Trotsky, citado por Chávez)

O que mostrou o bloqueio de estradas com a cobertura bolsonarista da Polícia Rodoviária Federal? O que sugerem as multidões ajoelhadas rezando na porta dos quartéis? O que, se não é a contrarrevolução se organizando para agir mais à frente?

Sejamos lúcidos. Há quatro anos, o anuncio precipitado do neofascismo governante servia para “justificar” alianças à direita, o impeachment etc. Agora, com uma boa parte da direita entrando na coalizão do novo governo uma vez eleito, parece que se subestima a questão da ameaça fascista… quando ela realmente se coloca. Não é porque Bolsonaro será “presidente de honra” do PL, que o bolsonarismo se limitará ao jogo parlamentar.

O fato é que aumentaram os elementos de fascistização do bolsonarismo.

O caso da PRF na verdade coloca uma questão mais geral:

 – Quem vai “desbolsonarizar o Estado”? Quem varrerá a malta que galgou posições em várias esferas do Estado depois do golpe de 2016? Quem mandará para a caserna os generais e os 8 mil militares montados em cargos civis acumulando vencimentos? Quem, senão a força do povo organizado?

A polarização foi plantada, “nós contra eles”: de um lado, as ruas da vitória, de outro, as estradas da derrota. Mas não terminou: o relatório das urnas do Ministério da Defesa, ambíguo, alimenta o bolsonarismo. Pior, na Nota dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, a força armada acolhe as tais “manifestações populares” e se arvora em “moderadora” (!) da sociedade, como um bonaparte acima de tudo, sem qualquer mandato. É a tutela militar explícita alimentada pelo famigerado artigo 142. Como quem diz “nós estamos aqui”, piscando para o bolsonarismo.

Mas esse é um lado, há o outro lado.

O dado novo maior, na verdade, é que mudou a relação de forças ultradefensiva da sucessão de derrotas que sofremos desde 2016. As massas populares sentiram a sua força (muitos jovens pela primeira vez). Avançou a consciência de classe, ainda que parcialmente (houve voto em Bolsonaro entre os trabalhadores).

Por fim, é importante que a difícil vitória popular no Brasil se encadeia com outras derrotas da direita pró-imperialista em vários países da América Latina nos últimos dois anos. Nós não estamos isolados para realizar uma política independente, anti-imperialista, de autodeterminação, paz e progresso dos povos.

Também não é exagero relacionar a vitória no Brasil com a onda de greves atualmente em curso na Europa. São formas diferentes, por certo, mas do mesmo conteúdo: a resistência ao capitalismo em crise que, para sobreviver, reduz o custo do trabalho, espolia os povos e vai até realizar guerras sem outra razão (Ucrânia) se não a de criar novos mercados. Mas que tem duras consequências para os povos, de fome, de desorganização de cadeias produtivas, e de inflação – para a qual a receita capitalista é aumentar os juros e “portanto” cortar os gastos sociais do Estado.

Voltando ao processo brasileiro, sabemos que ele pode desembocar numa frustração, mas também pode, ao invés – trabalhamos para isso –, levar a um processo a termo de de aprofundamento social e radicalização política.

Um elemento para reflexão são os dois discursos de vitória de Lula no dia 30: no hotel dirigido aos investidores “nacionais e internacionais”, discurso de tipo “pacificação”; e na avenida Paulista, discurso para centenas de milhares: “prometo não trair os sonhos de vocês”.

O que vai acontecer? Num país com a dimensão do Brasil, a hipótese progressiva seria o prefácio da desestabilização da dominação yankee sobre os povos do continente. A situação pode, portanto, levar à uma onda vermelha (anti-imperialista) no quintal dos EUA, e não apenas à “onda rosa” de que fala a imprensa, se referindo àqueles países onde ganhou uma esquerda tida como moderada e onde, com a derrota da direita, os Exércitos se comportaram em ordem (Chile, Peru e Colômbia). Aqui no Brasil, não é o que está acontecendo. Nesse sentido também, a situação de 2022 não é da 2002 quando o Exército ficou na sombra, e FHC passou a faixa.

A FASE ATUAL – DOIS EIXOS

Nesta fase- do “gabinete de transição” até a Posse em menos de 30 dias -, uma bandeira é o Respeito do Voto Popular, porque há questionamento do bolsonarismo, mesmo se improvável, mas há.

Um eixo político é a imediata Punição dos Crimes Eleitorais, junto ao Judiciário e ao Legislativo, nos níveis federal, estadual e municipal. Senão, será a conciliação outra vez. Não é só denunciar, mas exigir a Apuração e Punição do Responsáveis: prisão para os assassinos, limpeza da PRF, punição pelo assédio patronal e da compra de votos. E isso sem qualquer ilusão no STF, cuja metade foi passar um feriadão com tudo pago em Nova York, patrocinado pela Câmara de Comercio dos EUA, para discutir o “consenso” com banqueiros, ao invés de tocar a montanha de processos acumulados e, especialmente, punir os crimes eleitorais.

Outro eixo são questões sociais imediatas no “gabinete de transição” nesse imbróglio do Orçamento de Artur Lira para 2023: recompor os programas sociais, recompor as verbas das Universidades Federais e Institutos Federais, aumentar o salário mínimo, corrigir o IRPF, o piso da enfermagem, o salário dos servidores, parar a Privatização do Porto de Santos, do Ceasa de Minas e do Metro de BH, retomar o MCMV etc. Sem comprometer a sua independência e autonomia, o ideal seria que as entidades sindicais e populares apresentem desde já ao “gabinete de transição” as suas demandas, sobretudo imediatas.

A direção do PT espera 100 mil em Brasília com caravanas. Todos os diretórios que puderem, as entidades nacionais e locais, os sindicatos e movimentos, tem a oportunidade de renovar a força para o novo governo, levando as reivindicações das categorias e as aspirações populares. Desde as pautas especificas até a revogação da reforma da Previdência e da reforma Trabalhista, a revogação do Teto de Gastos, do artigo 142, a desmilitarização das polícias, a reforma agraria, a demarcação das terras indígenas, a titulação dos quilombolas, a revogação da reforma do ensino médio, as reestatizações, a taxação das grandes fortunas etc.

A primeira responsabilidade é do PT, para desenvolver a confiança dos trabalhadores no seu próprio movimento. Por que o PT?   A realidade política é que do dia 30 de outubro sobressaem dois partidos nacionais com base de massa no país – o petismo e o bolsonarismo. Por óbvio, tentarão outra vez inventar um “centro democrático”. A extrema-esquerda buscará espaço. Mas desse dia 30 emergiu essa polarização que incomoda a classe dominante: PT e bolsonarismo. Vamos ajudar a desenvolvê-la para vencer com as massas na via da sua auto-organização. Com Lula presidente para realizar as aspirações sociais e nacionais inscritas no mandato que o povo lhe conferiu.

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